Conheci Jean-Pierre Melville através do Canal Hollywood. Lá passou Le Cercle Rouge (1970), magnifico misto de heist movie com filme de perseguição policial. Achei-o estranho, de inicio, pois apesar de tudo transpirar a contemporaneidade do seu tempo, ao mesmo tempo os gangsters vestiam-se como os dos filmes dos anos 40, Alain Delon usava um bigode esquisito e muito se passava à volta de cabarets mais dignos de um noir americano do que dos cafés que víamos na Nouvelle Vague. É assim, o mundo de Jean-Pierre Melville, num cruzamento entre a modernidade do seu tempo (o cineasta pode, ainda que por vias travessas, ser inserido não tanto na Nouvelle Vague francesa, de que pouco se aproxima, mas em todo o movimento de modernização do cinema no pós-guerra, da Europa ao Brasil, passando pelo Japão e pela Índia) e a re-utilização de referências cinematográficas norte-americanas clássicas, num todo intrinsecamente autoral e, em boa verdade, imensamente influente: sem ele não haveria nem toda a tradição do polar (policial francês) nem tão pouco o cinema de John Woo, que nas suas histórias de códigos de honra e de irmãos inimigos encontrou o seu leit motiv.
Porém, cineastas a filmar gangster e códigos de honra há muitos, e poucos atingiram o nível de Melville. Por dois motivos. Primeiro, porque poucos têm o rigor na mise en scene que Melville tinha. Pegando no genial L’Armée des Ombres (1969), que filma uma célula da Resistência Francesa na Segunda Guerra Mundial, vemos uma austeridade que, quiçá com exagero e com a noção das devidas diferenças estéticas, só encontramos em Bresson. Em segundo, porque a Melville interessava o lado litúrgico, ritualizado, codificado, se perdoarem o pleonasmo, que torna os seus filmes quase coreográficos. Não por acaso, uma das melhores sequências da sua carreira é a do assalto em Le Cercle Rouge, do mesmo modo que só esta componente ritualística permite sustentar os primeiros vinte minutos do tremendo Le Samourai (1968), completamente silenciosos. Ver Melville explanar o seu universo é como assistir a um relógio a funcionar por dentro, as rodas e as engranagens encaixando umas nas outras e maravilharmo-nos com o engenho que o permite.
Dvd, só edições estrangeiras, quase sempre caras. Na tv, passou no cabo há uns anos valentes. A escolha que sobra é o download ilegal. A não ser que…
Sem comentários:
Enviar um comentário