Acompanhando uma petição que vejo de crucial importância para a revitalização e formação dos novos públicos no cinema português, tenho visto este blogue, que desde o início a acompanha, a estabelecer paralelamente um caminho sólido de informação e de contextualização e, pela recolha da maior diversidade possível de testemunhos, justificando regularmente a pertinência da petição entre as várias posições.
Neste percurso, a validade das várias propostas acerca do que poderia ser mostrado pela RTP2, sempre me pareceu francamente propositada. É do meu dever fazer coro às vozes que clamam por Stroheim, Mozos, César Monteiro, Ozu, Costa, Rivette, Hsien, pelas fases televisivas de Fassbinder, Bergman, Godard ou Rossellini, e por aí fora....
E perante o estado reconhecível da selecção do canal, é-me difícil ser sucinta no acto de nomear autores que escapam à atenção da RTP2.
Parece-me que o cinema português deveria ser o primeiro interesse da programação do canal ainda que ( segundo tenha lido depois dos esclarecimentos obtidos pelos peticionários na primeira ida à Assembleia), não possa haver qualquer tipo de proteccionismo na lei da televisão a partir da entrada na comunidade europeia.
Julgo imperioso nomear de imediato a importante e esquecida obra do documentarista António Campos (1922-1999), que deu em Portugal alguns dos primeiros passos na solidificação do filme etnográfico. A sua filmografia, que vai do final da década de 1950 ao início da década de 1990, num trabalho pouco reconhecido pelo público e maioritariamente auto-financiado, mantém-se circunscrita a exibições pontuais em contextos de festivais, e ausente a edições comerciais.
Parece-me fundamental sublinhar o nome do espanhol Víctor Erice, cuja filmografia, apesar de escassa, não deixa de ser de vital importância. Ainda que ficções, filmes como “O Espírito da Colmeia” ou “O Sul” constituem-se como representações da história de Espanha, e do próprio percurso de Erice enquanto realizador, cujo método de trabalho se distingue pelos vários anos que espaçam os filmes.
Valerio Zurlini será, certamente, o mais poderoso dos realizadores italianos. Uma obra demarcada pelo intimismo distinto em que constrói personagens e transfigura os espaços à medida do seu traçado psicológico, encontra em filmes como “La prima notte di quiete” (Outono Escaldante) ou "Estate violenta" (Verão violento), eloquentes exemplos de uma mestria inesgotável, que merece receber uma atenção renovada.
O cinema de Carmelo Bene talvez seja, em Portugal, uma das facetas mais desconhecidas deste também dramaturgo, actor e encenador. A delirante energia que Bene transporta no seu cinema, resulta no fulgor de uma encenação única, alheia a princípios de realidade e perto de um patamar do histérico e do grotesco. Um cinema crítico e desconstrutivo, próximo em indisciplina do fôlego que foi permanente à obra de César Monteiro.
Extracto de "Nostra Signora dei Turchi" (1968) de Carmelo Bene
Sabrina Marques
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