O meu colega Miguel Domingues já falou dos filmes "pedagógicos" de Rossellini, recentemente editados pela Eclipse e que, como era da vontade do cineasta, estavam imbuídos de uma missão pura de serviço público - a televisão como meio para educar as massas. Rossellini foi um dos primeiros a ver na televisão uma linguagem complementar ao cinema, com potencialidades próprias e uma margem para o experimentalismo que já não se encontrava no meio fechado e (financeira, burocrática e humanamente) pesado da Sétima Arte. Seguiram-se semelhantes incursões de grandes realizadores em ousados projectos exclusivamente televisivos (ou cinematograficamente televisivos), entre eles, Godard, Fassbinder e Ingmar Bergman.
Godard assinou, entre outras coisas, uma série reflexiva, quase ontológica, sobre o cinema, "Histoire(s) du Cinéma", que, recentemente editada pela MIDAS, só ganharia, de facto, contornos de "grande acontecimento" se fosse mostrada directamente na TV.
Fassbinder, a quem a RTP2 dedicou há pouco tempo um documentário enlatado - sem qualquer contextualização programática ou preocupação em, de seguida, dar a conhecer a OBRA do cineasta, quase desconhecida da maioria dos portugueses -, realizou vários monumentos para o formato televisivo: à cabeça, "Berlin Alexanderplatz" e "World on a Wire".
O senhor Wemans, que se diz amante de séries, não nos dirá que a relevância histórica ou temática destes objectos é menor que um "Anatomia de Grey" ou "24", séries que a RTP2 passa, pagando balúrdios e fingindo que nos outros canais não estão a passar exactamente esses mesmos "conteúdos" - palavra cara a quem se deixou embrutecer pelo marketering tecnocrata televiseiro.
Por fim, destaco o extensíssimo e profundo trabalho que Ingmar Bergman fez na televisão do seu país. Por preconceito ou ignorância, "Fanny och Alexander" foi durante anos tido como "o último filme de Bergman". Um total e completo disparate se atendermos ao facto de este ter realizado, posteriormente, mais de 10 filmes para a televisão.
O próprio "Saraband" é, para todos os efeitos, um telefilme, que só nos deve alertar para a obra que o mestre sueco andou a desenvolver desde 1982, ano em que o mundo deu como reformado um cineasta que, na realidade, apenas inflectiu (ligeiramente, na nossa opinião) o rumo da sua carreira: do terminal cinematográfico (leia-se, da indústria e da sala do cinema) para o terminal televisivo (mais barato, livre de pressões e tubo de ensaio mais que perfeito das novas tecnologias do vídeo e digital). Vi apenas "Na Presença do Palhaço", obra sobre os últimos momentos na vida de Schubert, que passou na SIC há muitos (demasiados) anos e me marcou pela pujança de uma linguagem produzida pelo encontro feliz do cinema, do teatro, da música... com a televisão.
"À televisão o que é da televisão e ao cinema o que é do cinema"... tem a certeza que ainda quer insistir, anacronicamente, nessa falácia histórico-estética?
Trailer de "Na Presença do Palhaço" (1997) de Ingmar Bergman
Luís Mendonça
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